Uma parte importante da história do Seixal está inscrita no património industrial do concelho. Da cortiça à pólvora negra, passando pela transformação de cereais e pelas artes gráficas, o município tem-se esmerado na preservação e requalificação dos espaços e histórias que remontam aos tempos em que a Baía era porta de entrada e saída de mercadoria para a Grande Lisboa e para o mundo.

1 | Corticeira Mundet

Uma centena de páginas não seria suficiente para contar a história da Mundet. Aquela que chegou a ser a maior corticeira do país instalou-se no Seixal em 1905, depois de uma passagem por Brooklyn, onde a falta de sobreiros acabou por obrigar a uma mudança para Portugal. No estuário do Tejo, com a entrada e saída regular de barcos, era fácil aceder à matéria-prima e expedi-la para dentro e para fora do país.

Apesar de grande parte da sua transformação ter sido dedicada à rolha, a cortiça, na Mundet, era como o porco: aproveitava-se tudo. Daqui saíram esferas para discos de hóquei, bolas para apitos, punhos para canas de pesca, guiadores de bicicleta e, surpresa, coletes e bóias de salvamento que, diz-se, também terão sido usados no Titanic.

A partir de 1950, quando apareceu o papel de imitação, a Mundet abandonou a produção de papel de filtros de cigarro, que eram vendidos em bobinas para o mundo inteiro e virou-se para a decoração e construção.  Revestimentos, paredes e mobiliário forrado a napa de cortiça passaram, então, a ser o foco da fábrica até ao seu encerramento oficial, em 1988.

Hoje, após uma missão de resgate do Município, o Núcleo da Mundet integra o roteiro museológico e educativo do Seixal, com dois edifícios abertos ao público: o das Caldeiras Babcock & Wilcox e o das Caldeiras de Cozer, onde ainda estão as máquinas que coziam, secavam, rebaixavam e colmatavam a cortiça e que eram alimentadas, precisamente, com o seu pó.

Em ambos os edifícios está em mostra uma exposição fotográfica em homenagem aos antigos operários da fábrica, dos quais consta o ilustre hoquista local Leonel Fernandes, que trabalhava na prancha (um dos serviços mais duros no tratamento da cortiça) e se iniciou na modalidade no Grupo Desportivo da Mundet.

Há também ateliês gratuitos para crianças, com visita guiada pelas oficinas e construção de um calendário em cortiça e papel de cortiça, que depois vai a imprimir à Tipografia Popular.

Praça 1.° de Maio, 1, Seixal
Tel.: 210976112


Espaço Memória - Tipografia Popular, extensao museologica do Ecomuseu Municipal. Eduardo Palaio, Tipografo e compositor profissional que mantem a tipografia a funcionar segundo metodos de trabalho tradicionais e partilha a propriedade do imovel. Tipos moveis, caracteres de letras para serem usados na replica da maquina de gutenberg
Espaco Memoria - Tipografia Popular, extensao museologica do Ecomuseu Municipal.  Eduardo Palaio, Tipografos e compositor profissional que mantem a tipografia a funcionar segundo metodos de trabalho tradicionais e partilha a propriedade do imovel. Placa de linoleo com as  letras para serem usados na replica da maquina de gutenberg
Eduardo Palaio, da Tipografia do Seixal, entretanto transformada em nucleo museologico
Eduardo Palaio, Tipografia Popular, Seixal

2 | Tipografia Popular

A tipografia é uma arte que exige paciência e rigor, e Eduardo Palaio é mestre em todas as frentes. Basta que se lhe espreite pela janela do lado de fora para que seja o próprio a convidar a uma visita à Tipografia Popular, espaço que se divide entre o passado e o futuro das letras e que preserva métodos ancestrais da impressão e composição tipográficas.

A réplica da prensa de Gutenberg, por exemplo, é peça única em Portugal e a ela juntam-se outras máquinas já fora do circuito tipográfico – a mais recente é de 1944, tudo o resto remonta ao século XIX –, aqui conservadas e em pleno funcionamento. Eduardo Palaio tanto demonstra como o sistema mecânico de Gutenberg veio revolucionar a imprensa, como explica o tempo, carinho e dedicação que são precisos para criar uma composição em papel – que até à sua mecanização, no século XX , era uma técnica manual que, naturalmente, o anfitrião também domina.

A antiga tipografia, fundada em 1955 no centro histórico do Seixal, é agora uma casa de memórias aberta a todos, onde se dá a conhecer o património tipográfico técnico-industrial através de actividades de grupo gratuitas que incluem sempre uma composição feita pelos participantes.

Praça Luís de Camões, 39-41, Seixal
Tel.: 210976112


3 | Fábrica de Pólvora de Vale de Milhaços

A pólvora não foi só inventada para fins militares, como se possa pensar. Como tudo o que requeira energia, aliás. Da fábrica de pólvora negra em Vale de Milhaços saiu, até 2001, matéria para a construção de estradas, cartuchos para a caça e até fogo-de-artifício.

A fábrica foi fundada em 1896 e está agora incorporada no Ecomuseu Municipal do Seixal. Além do valor patrimonial deixado in situ, a atenção estendeu-se para a biodiversidade do espaço que a alberga, uma quinta de 13,5 hectares que tem sido terreno de pesquisa e investigação por parte de vários grupos de biólogos, que aqui descobriram um ecossistema único no país, do qual consta o pinheiro-baboso, uma raridade dentro da espécie, mais de trinta variedades de cogumelos (muitos deles comestíveis) e “a lagartixa mais rápida do mundo”.

Quem o diz é Francisco Moura, o único operário da fábrica, cuja história se escreveu sempre em torno do ofício: os pais trabalhavam ali e a primeira casa onde se lembra de viver é a do guarda-portão, logo à entrada do complexo, de frente para onde agora repousa uma instalação artística dos Musa Paradisíaca. Saiu aquando do encerramento e regressou em 2007 para pôr a caldeira a funcionar, ainda antes de a fábrica ser classificada como Monumento de Interesse Público. Francisco é o único que sabe como funciona o motor da fábrica e é a ele que se deve o estado imaculado de preservação da central térmica de produção de energia mecânica a vapor.

Hoje, mais do que só um espaço de visita, a Fábrica de Pólvora de Vale de Milhaços é um museu aberto ao público e a projectos artísticos, gastronónimos e científicos relacionados com a produção de energia e a fauna e flora existentes. Prova disso são os jantares temáticos organizados em parceria com a Ecofungos, que junta cozinheiros e comensais à mesa, em torno da história, propriedades e versatilidade dos cogumelos. No fim, traz-se um livro de receitas, que pode ser adaptado a qualquer variedade comestível [ver caixa].

Avenida da Fábrica da Pólvora, 146, Vale de Milhaços (Corroios)
Tel.: 210976112
Visitas gratuitas, por marcação prévia
Actividades gratuitas, por pré-inscrição no website do município

COZINHAR COM COGUMELOS

Na época dos cogumelos, o Ecomuseu Municipal e a associação micológica Ecofungos organizam visitas guiadas ao recinto em redor da Fábrica da Pólvora, para dar a conhecer a diversidade e as particularidades dos fungos que ali despontam. Algumas dessas visitas incluem prova das suas potencialidades culinárias – e no final é distribuído um livro de receitas com o cogumelo como protagonista. Coisas de abrir o apetite, como este creme de cogumelos com vinho do porto.

RECEITA: Creme de cogumelos com porto

INGREDIENTES

  • 200 g de cogumelos
  • Azeite
  • 50 g de cebola
  • Vinho do porto
  • Sal q.b.
  • Pimenta branca q.b.
  • Água
  • Natas

PREPARAÇÃO

  • Refogar em azeite a cebola picada até ficar branda e acrescentar os cogumelos temperados com sal e pimenta. Deixar cozinhar durante 5 minutos.
  • Colocar 0,5 dl de vinho do porto e deixar reduzir. Juntar a água até cobrir e deixar ferver.
  • Passar com a varinha mágica e está pronto a servir.

4 | Moinho de Maré de Corroios

O trabalho dos antigos moleiros não era pêra doce: dependia dos dois ciclos diários das marés e, por isso, fazia-se a horas pouco simpáticas. Quem chega talvez não perceba imediatamente o que é um moinho de maré – é preciso observá-lo primeiro de fora, depois ir lá dentro recolher informação e voltar a sair para entender o que é isto de transformar cereais com a força da água. Uma explicação rápida e simplificada: quando a maré sobe, a água abre uma comporta e acumula-se na caldeira, depois espera-se pela baixa-mar para iniciar o processo de moagem, que se dá com a circulação da água acumulada, cuja pressão faz girar as rodas hidráulicas, que põem as mós a operar.

Este moinho de maré, inserido no Sapal de Corroios e parte integrante do Ecomuseu Municipal, é um dos 45 moinhos de maré construídos no estuário do Tejo entre os séculos XIII e XVIII e foi mandado erguer em 1403 por Nuno Álvares Pereira, que aqui viu boa oportunidade para a produção de farinhas de trigo, milho e centeio e sua rápida distribuição (os barcos chegavam, carregavam a mercadoria e seguiam para vários pontos do país).

Já no século XX, acrescentou-se o descasque de arroz à lista de trabalhos do moinho, que se manteve activo até meados da década de 1970.

A maquinaria continua toda operacional e, se preciso fosse, voltar-se-ia a pôr as mós a girar, mas agora é mais importante que sirva o propósito de dar a conhecer esta parte da história patrimonial e industrial do concelho. Entre as ferramentas de trabalho dos moleiros, os produtos que se transformavam e os aparelhos de moagem, a visita ao moinho inclui uma exposição sobre os 600 anos da sua existência e ateliês criativos para miúdos e graúdos, com teatro de fantoches, jogos de dominó gigante com peças feitas de cereais e projecção de filmes sobre a arte da  moagem hidráulica.

Rua do Rouxinol, Quinta do Rouxinol, Corroios
Tel.: 212275778
Entrada gratuita
Actividades lúdicas e educativas gratuitas, mediante pré-inscrição


5 | Olaria Romana

Logo ao lado do Moinho de Maré, mesmo à beira do sapal, há aquilo que parece um baldio, mas que, na verdade, é um campo arqueológico que guarda um tesouro inimaginável: uma olaria romana, descoberta por acaso nos anos 1960. O terreno era ocupado por um viveiro municipal até que uma obra de reabilitação pôs à mostra os primeiros pedaços daquilo que viria a saber-se mais tarde ser um forno de cozedura, construído algures entre os séculos V e III a.C.

Na década de 1980 deu-se início oficial ao trabalho de escavação e daí emergiu um acervo de objectos de cerâmica como ânforas que serviam para guardar azeite, vinho e conservas, malgas, taças e um segundo forno em ruína. Estes fornos eram estruturas efémeras feitas de argila e palha, que desapareciam após o uso, facto facilmente explicável pela temperatura que atingiam, de cerca de 900 graus centígrados, alimentados somente a lenha.

As restantes peças estão guardadas na Quinta da Trindade, à espera de voltarem à casa-mãe, um regresso marcado para quando estiver concluído o futuro Parque Urbano do Miratejo, um espaço público semelhante ao Parque do Seixal, que vai ligar o Moinho de Maré de Corroios e a Olaria Romana da Quinta do Rouxinol. Para já, o espaço, classificado como Monumento Nacional, é de acesso condicionado ao programa educativo do município, mas organizou recentemente um laboratório experimental de arqueologia, em que se construiu uma réplica de um forno romano.

Rua do Rouxinol, Quinta do Rouxinol, Corroios