O Sapal de Corroios é um museu vivo da biodiversidade local, sobretudo no que diz respeito à riqueza ornitológica e de fauna aquática. Parte integrante da Reserva Ecológica Nacional, é um dos locais mais importantes do património natural do concelho, vizinho de um areal com vista para Lisboa.
Observar o Sapal a partir do Moinho de Maré já é impressionante quanto baste, mas descobri-lo aos pedaços, no meio de um canavial à beira da estrada de terra batida, tem outro encanto. E outra paisagem.
Antes de mais, importa esclarecer o que é exactamente um sapal, para que não haja confusões com sapos ou outras espécies associadas. No caso, trata-se de uma zona húmida caracterizada por pequenas ilhotas de vegetação, formadas a partir de sedimentos de areia, cascalho e lama, e que tem a honrosa missão de limpar as águas das marés, nomeadamente de metais pesados (tornando-os inactivos) e de produzir energia, actuando como reservatório de águas e protector contra tempestades ou cheias.
Em Corroios, além de abrigar dezenas de espécies de fauna e flora protegidas, o sapal serve de área de repouso para as aves residentes e migratórias, e de “maternidade” a diversas espécies de crustáceos, peixes e moluscos que aqui passam os primeiros tempos de vida, protegidos de predadores.
Num dia cinzento, a visita ao Sapal de Corroios, oficialmente a maior zona húmida do concelho, parte integrante da Reserva Ecológica Nacional, não deixa de ser uma experiência única, mais não seja pelo simples facto de, pontualmente, aparecer um ou outro flamingo a dar um ar da sua graça. Mas nada bate o reflexo do sol nas manchas de água que se formam à volta da vegetação.
Independentemente da generosidade do clima, o que vale mesmo a pena é ir atrás da melhor panorâmica do sapal, aquela que só se encontra procurando. Partindo do jardim central de Miratejo, a ideia é seguir em direcção à Ponta dos Corvos e trilhar caminho a partir daí. Ao passar o centro comercial, aparece a primeira placa com indicação para a praia e, logo depois de se contornar a escola, há uma estrada florestal que não parece bem uma estrada, e que é exactamente por onde se deve seguir.
Lavar e polir o carro, ter muito amor à suspensão ou sofrer de ansiedade a cada buraco, pedra ou galho que se cruzam no caminho é capaz de não ajudar ao propósito de um passeio descontraído, mas a chegada ao destino faz valer os 15 minutos de viagem a 30 quilómetros por hora.
Sensivelmente a meio do percurso em terra batida, o canavial cerrado à direita não deixa ver grande coisa, mas, com alguma atenção e espírito aventureiro, é possível encontrar uma ou outra “entrada” para o sapal. Como aquela que “convida” a percorrer o dorso de uma antiga conduta de água, entretanto desactivada, que vai desembocar mesmo em cima do rio. Não sendo propriamente o sítio oficial para apreciar o sapal, é, quase de certeza, um dos mais bonitos, e tem a vantagem de incluir uma panorâmica mais do que simpática do Seixal.
Mas foquemo-nos no percurso. A conduta não terá mais de 50 metros e assegura largura suficiente para caminhar sem correr riscos. Pelo meio há buracos que exigem atenção – basta um passo mais largo –, mas chegando ao final do “passadiço” há espaço de sobra para ficar calmamente a contemplar o cenário.
Como não é um posto oficial de observação do sapal, não está indicado em nenhum roteiro oficial de passeio e, por isso, não dispõe de informação de apoio que permita identificar com exactidão as aves que por ali passam. Viram-se garças e um simpático chapim-de-poupa (uma espécie de ave terrestre facilmente avistável) e ainda se manteve a esperança de que aparecesse um pernilongo para cumprimentar, encontro que acabou por não acontecer. A natureza não funciona por encontro marcado, já se sabe.
A viagem segue em direcção à praia, onde, meros metros adiante, está colocado um posto para observação de aves. Atrás da estrutura, estendem-se o areal da Ponta dos Corvos, o Tejo e Lisboa lá na outra margem, iluminados de abundante luz natural. Vale a viagem.
Observatório de aves do Sapal
A ornitologia é uma prática que exige muita (muita) paciência e dedicação. Por exemplo, sair da cama ainda de madrugada, rumar por caminhos pouco recomendáveis e esperar. Sobretudo isso: esperar. Nesta estrutura de madeira colocada entre o rio e o sapal, a ideia é a observação de espécies ser uma experiência agradável e não muito demorada, beneficiando, claro está, da abundância de aves que por aqui passam.
O observatório foi construído em 2014, com recurso a plástico reciclado, numa parceria entre a Câmara Municipal do Seixal (CMS), a Junta de Freguesia de Corroios e a associação ambiental Grupo Flamingo. Dispõe de um pequeno passadiço de acesso e de um cartaz informativo com as espécies de aves mais comuns no sapal.
A passagem pelo observatório está inserida na Rota da Ecologia e da Faina no Rio Tejo, no âmbito da oferta turística e educativa da CMS, com visitas guiadas gratuitas que incluem passeio numa das embarcações tradicionais do município. A visita obriga a pré-inscrição através do website do Município ou directamente no Núcleo Naval da Arrentela.
Ficar a ver pássaros
São dezenas as espécies de aves que se pode encontrar por aqui, mas, como em tudo, é sempre melhor saber identificá-las. Eis as mais comuns:
Flamingo-comum
Setembro é o mês ideal para ter um vislumbre desta espécie de pescoço e patas longas, pintada a rosa e branco.
Milherango
Parecido com o maçarico-real, que também por aqui anda, distingue-se pelo bico comprido e muito direito. Pode ser observado entre Agosto e Abril.
Alfaiate
A plumagem preta e branca dá-lhe uma certa elegância e justifica o nome da espécie, que parece “vestida” com um fato. Aparece entre Outubro e Março.
Pernilongo
É uma ave barulhenta, há que dizê-lo, e que reúne em bando. Costuma andar pelo sapal durante todo o ano.
Colhereiro
Parece uma garça, mas não é. Tem o bico em forma de colher, de que faz uso para colher alimento nos fundos lodosos. Anda por aqui entre Setembro e Abril.
Praia da Ponta dos Corvos
Não tem o selo oficial de praia, mas é poiso estival por excelência de habitantes do concelho que não se querem meter em trabalhos a caminho da Caparica. E haverá sempre quem prefira mergulhar em água doce em vez da salgada.
De nome oficial Ponta dos Corvos, ficou conhecida localmente por Ponta do Mato ou Praia dos Tesos, por ser associada aos banhistas locais que não tinham dinheiro para férias e ficavam por aqui.
Apesar de actualmente não estar certificada como praia fluvial – não tem nadador-salvador nem serviços de apoio além de chuveiros exteriores e casa-de-banho –, foi a primeira do estuário do Tejo a receber, em tempos, essa classificação. Continua a ser motivo de romaria ao fim-de-semana, não só pela proximidade ao centro da cidade, mas, sobretudo, pela panorâmica, que será, provavelmente, a melhor vista para Lisboa, com a ponte 25 de Abril e a zona ribeirinha em pano de fundo.
Logo ao lado, tem um parque de merendas, preparado para almoçaradas, e um café/restaurante com esplanada. Para já, está em cima da mesa a possibilidade de requalificar a zona, acrescentando-lhe uma espécie de ilha artificial e estruturas de apoio certificadas.
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