As histórias de um velho pescador, os convívios nas tascas e a estreia no refeitório da Siderurgia: o chef Vítor Sobral recorda como foi crescer no Seixal. E como isso foi determinante no futuro que escolheu.

Não se lembra do nome da rua, nem do número da porta, mas sabe que nasceu na zona do Cavadas, num rés-do-chão, porque a mãe tinha medo de que o trocassem no hospital. Viveu até à adolescência na mesma casa e foi no Seixal que apurou o gosto pela cozinha. Vítor Sobral garante que nunca seria o cozinheiro que é hoje se não tivesse nascido e crescido aqui, “num sítio que recebeu muita gente do país inteiro. As pessoas trouxeram um bocado da cultura gastronómica da sua região e eu convivi com isso tudo. Ter aprendido a desmanchar qualquer animal tem tudo que ver com o sítio onde cresci.” 

“[O Seixal] recebeu muita gente do país inteiro. As pessoas trouxeram um bocado da cultura gastronómica da sua região e eu convivi com isso tudo”

Vítor Sobral

Recorda-se bem do senhor Zé Maria, pescador, que lhe contava “histórias fantásticas” junto à baía, depois das aulas. Na casa onde vivia eram habituais as idas à lota, para comprar aos pescadores, o que não só ficava mais em conta como trazia um gosto especial. E nunca se importou de trocar um jogo de futebol com os amigos por uma matança na Arrentela. 

Chef Vítor Sobral, no Seixal
O chef Vítor Sobral fotografado no “seu” Seixal, a bordo do Raposinho – uma embarcação tradicional à vela, típica do estuário do Tejo

Acompanhava o pai, como gente grande, nos almoços, lanches e jantares entre amigos. Os tempos eram outros, conta, fazia-se “convívios de homens” em tascas da zona e comia-se vários petiscos, cabeças de borrego e miudezas como testículos de porco, mioleira, língua de vaca. Não tardou a ganhar o gosto por tais receitas e, anos mais tarde, era ele quem as preparava para os amigos. 

Ainda em miúdo já tinha escolhido a profissão, mas o pai, na esperança de o demover, pediu a um amigo que servia refeições na Siderurgia Nacional que o levasse um dia, para que ele arredasse pé da decisão. A ideia teve precisamente o efeito contrário e Vítor viria a confirmar, no refeitório da Siderurgia, aquilo que já sabia desde cedo: o seu futuro era numa grande cozinha.